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21 de Novembro – Dia Nacional da Homeopatia

EXTRATO DE UMA CARTA DE HAHNEMANN PARA UM MÉDICO DE ALTO ESCALÃO
SOBRE A GRANDE NECESSIDADE DE UMA REGENERAÇÃO DA MEDICINA

Caríssimo Amigo,

Não é afim de lhe …, não! É por conta de sua excelência intrínseca e da irresistível atração que o seu excelente coração tem
por mim, que devo me permitir o prazer de expor-lhe todo o meu fio de pensamento e convicção, o qual há muito sinto um desejo de dar
publicidade.
Durante dezoito anos tenho me afastado da estrada larga da medicina. Foi doloroso para mim andar às apalpadelas no escuro, guiado
apenas por nossos livros no tratamento do doente – prescrever, de acordo com esta ou aquela visão (fantasiosa) da natureza das doenças,
substâncias que só deviam à mera opinião o lugar que ocupavam na matéria médica; eu tive escrúpulos de consciência sobre tratar estados
mórbidos desconhecidos em meus irmãos sofredores com esses medicamentos desconhecidos2 os quais, sendo substâncias poderosas, podem,
caso não sejam exatamente adequados (e como poderia o médico saber se eles eram adequados ou não, uma vez que suas ações peculiares,
especiais não foram, todavia, elucidadas) facilmente transformar a vida em morte, ou produzir novas afecções e transtornos crônicos, que são
amiúde muito mais difíceis de remover do que a doença original. Tornar-se desse jeito um assassino, ou um agravador dos padecimentos dos
meus irmãos de humanidade, foi para mim pensamento temeroso, tão temeroso e aflitivo foi isso que pouco após meu casamento eu
abandonei completamente a prática e raramente tratei alguém com medo de lhe fazer mal, e – como você sabe – ocupei-me unicamente com
a química e os trabalhos literários.
Mas filhos me foram dados, muitos filhos, e no decorrer do tempo sérias doenças ocorreram, as quais, porque elas afligiram e
colocaram em risco as vidas dos meus filhos – minha carne e sangue – levou a minha consciência a me repreender ainda mais ruidosamente,
pois eu não tinha recursos nos quais pudesse confiar para lhes proporcionar alívio.
Mas de onde eu poderia obter ajuda, ajuda certa, positiva, com nossa doutrina dos poderes de substâncias medicinais fundamentada
meramente em vagas observações, amiúde só em conjecturas fantasiosas, e com o número infinito de visões arbitrárias a respeito de doenças
das quais nossos trabalhos médicos abundam? – Um labirinto no qual só consegue manter a tranqüilidade aquele que aceita como verdades
aquelas afirmações relativas aos poderes curativos dos medicamentos porque elas são repetidas em centenas de livros, e quem recebe, sem
investigação, como oráculos, as definições arbitrárias de doenças dadas em trabalhos patológicos, e o seu pretenso tratamento de acordo com
noções hipotéticas, como descritas em nossas obras terapêuticas, quem imputa todos os casos de morte que acontecem sob o seu tratamento,
não à sua própria prática de atirar cegamente no alvo, quem não atribui a agravação e o prolongamento das doenças agudas que ele trata e a
degeneração das mesmas em enfermidades crônicas, e a fecundidade geral do seu esforço quando tem de tratar doenças de longa duração, à
condição de incerteza e impotência de sua arte – não! Ele imputa a morte e a doença mau tratada e tudo, unicamente à incurabilidade da
doença, à desobediência do paciente, e às outras circunstâncias insignificantes, e tão acomodada e obtusa fica sua consciência, que ele se
satisfaz com essas desculpas, embora elas sejam de muitas formas enganosas, e jamais consigam ter valor diante de um Deus onisciente; e
assim ele segue tratando doenças (as quais ele vê através de seus óculos sistemáticos) com substâncias medicinais que estão bem distantes de
não influenciar a vida e a morte, mas de cujos poderes nada se conhece.
Onde eu buscarei ajuda, ajuda segura? Suspirou o pai desconsolado ao ouvir o gemido dos seus queridos, inexprimivelmente
queridos, filhos doentes. A escuridão da noite e a lugubridade de um deserto ao meu redor; nenhuma perspectiva de alívio para o meu
coração paternal oprimido!
Numa prática de oito anos, desempenhada com conscienciosa atenção, eu havia ouvido a natureza enganosa dos métodos ordinários de
tratamento, e por uma triste experiência eu soube bem quão longe os métodos de Sydenham3
e Frederick Hoffmann,4 de Boerhaave e
Gaubius,5 de Stoll,6 Quarin,7 Cullen, e De Haen, estão capacitados para curar.
“Mas talvez está na natureza mesma dessa arte, como grandes homens afirmaram, que ela é incapaz de alcançar uma maior certeza.”
“Pensamento vergonhoso, blasfematório” exclamei. O que? Dever-se-ia dizer que a infinita sabedoria do Espírito eterno que anima o
universo não poderia produzir remédios para aliviar os sofrimentos das doenças que ele permite que surjam? A Sua bondade paternal que é
todo amor. Ele que nenhum nome dignamente designa, que ricamente supre todas as carências, mesmo daqueles raramente imagináveis como
o inseto na poeira, imperceptível pelo motivo de sua pequenez ao mais aguçado olho mortal, e que dispensa por toda a criação a vida e a
1 Do Allgem. Anzeiger d. D., Nº 343, 1808. [O médico para quem essa carta foi endereçada é o famoso Hufeland, com quem Hahnemann há muito mantinha íntima amizade]
2 No tocante a muitos medicamentos nós temos quantidades de opiniões contraditórias, as quais têm sido repetidamente refutadas pela experiência, e por uma corrente grande de
informação médica, química e de história natural; mas nossos livros não nos proporcionaram instrução quanto ao que são os casos exatos de doença para os quais eles estão
ajustados e em quais eles podem ser confiados com segurança como agentes curativos. Eles são quase inteiramente desconhecidos de um ponto sob vista médico especial.
3 N. T. Bras.: Thomas Sydenham (1624-1689), médico inglês. Em sua obra Observationes Medicae (1676) expõe os princípios sob os quais as enfermidades devem ser tomadas
pelo médico como se apresentam na natureza, levando-se em conta apenas os dados objetivos.
4 N. T. Bras.: Frederick Hoffmann (1660-1742), iatroquímico.
5 N. T. Bras.: Hieronymous David Gaubius (1705-1780), médico alemão, vitalista, seguidor de Boerhaave e foi professor de química na Universidade de Leiden. Escreveu várias
obras sobre medicina (incluindo um rol de prescrições médicas), química e biologia.
6 N. T. Bras.: Maximilian Stoll (1742-1787), foi professor de medicina na Faculdade de Viena.
7 N. T. Bras.: Joseph von Quarin (1733-1814), foi médico da corte do Imperador da Áustria. Dirigiu também o Hospital de Misericórdia em Viena, e apresentou Hahnemann, no
início de sua carreira médica, ao Barão von Bruckental.
felicidade em rica abundância – dever-se-ia dizer que Ele foi capaz da tirania de não permitir que o Homem, feito à Sua própria imagem,
pudesse, mesmo com os esforços de sua mente arguta, que lhe foi soprada a partir do Alto, achar um meio de descobrir os remédios no
estupendo reino das coisas criadas, os quais deveriam ser capazes de libertar seus irmãos de seus sofrimentos amiúde piores do que a morte
em si? Deveria Ele, o Pai de todos, contemplar com indiferença o martírio de suas criatura bem-amadas por causa da doença e, todavia, ter
tornado impossível ao gênio humano, a quem tudo o mais é possível, encontrar algum método, algum método fácil, seguro, fidedigno, por
meio do qual eles podem enxergar as doenças com seus próprios pontos de vista, e por meio do qual eles podem interrogar os medicamentos
quanto aos seus usos especiais, no tocante ao que eles são realmente, certamente, e positivamente proveitosos?
Antes de admitir esse pensamento blasfematório, eu teria abjurado todos os sistemas médicos do mundo!
Não! Há um Deus, um Deus bom, que é todo bondade e sabedoria! E tão certo quanto é o caso de que deve haver um caminho em sua
criação através do qual as doenças podem ser vistas do ponto de vista correto, e ser curadas com certeza, um caminho não oculto nas
infindáveis abstrações e especulações fantásticas!
Mas por que ele nunca foi descoberto em dois mil ou dois mil e quinhentos anos durante os quais os homens têm se autodenominado
médicos?
Sem dúvida porque era muito fácil – porque como o Хαλοηαδαθια8 na escolha do jovem Hércules, era totalmente simples, e nem era
capaz nem necessitava ser adornado com qualquer dos ouropéis espalhafatosos de sutis sofistas e das hipóteses brilhantes.
Bem, pensei eu, como deve haver um método seguro e fidedigno de tratamento, de maneira tão certa quanto Deus é o mais sábio e o
mais bondoso dos seres, não mais o procurarei no matagal espinhoso das explanações ontológicas, em opiniões arbitrárias, embora estas
pudessem ser capazes de ser ajeitadas dentro de um sistema esplêndido, nem nas declarações de autoridades de homens consagrados – não,
permiti-me procurá-lo onde está mais à mão, e onde tem sido até aqui ignorado por todos, porque ele não pareceu suficientemente secreto
nem suficientemente douto, e não era laureado por aqueles que evidenciavam mais talento para construir sistemas, para especulações
escolásticas e abstrações transcendentais. Ele bastou apenas para mim, cuja consciência não era daquele caráter prático comum que me
permitiria livrar da morte meus filhos que estivessem em perigo, a fim de agradar qualquer sistema, qualquer líder de um partido seja qual
fosse. Por conseguinte, não fiz desfile de ostentação do meu simples livrinho (Medicina da Experiência) que ensina esse método, totalmente
satisfeito de tê-lo encontrado por mim mesmo, satisfeito de tê-lo, no estilo simples que pertence à verdade, revelado aos meus irmãos de
humanidade, tanto quanto foi possível fazer escrevendo, sem demonstração junto ao leito do doente num hospital.
“Como, então, podes tu – este foi o modo de raciocinar pelo qual comecei a achar o meu caminho – “averiguar para quais estados
mórbidos os medicamentos foram criados? (pode isso ser feito com experimentos pelas mortes nas próprias doenças? Ai de mim! Os dois
mil e quinhentos anos durante os quais apenas esse caminho tem sido seguido, mostraram que ele é cercado de inumeráveis, insuperáveis
ilusões, e jamais conduz com segurança).
“Tu deves”, pensei eu, “observar como os medicamentos agem no corpo humano, quando ele está na condição tranqüila de saúde. As
alterações que os medicamentos produzem no corpo sadio, não ocorrem em vão, elas devem significar algo; ou por que elas deveriam
ocorrer? E daí se essas mudanças tiverem uma importante, uma extremamente importante significância? E daí se esta for a única declaração
através da qual essas substâncias podem partilhar informação ao observador sobre a finalidade da existência delas; e daí se as mudanças e
sensações que cada medicamento produz no organismo humano saudável, forem a única linguagem compreensível pela qual – caso elas não
sejam suprimidas por severos sintomas de alguma doença existente – conseguem de forma distinta discorrer ao observador imparcial a
respeito de tendências específicas deles, a respeito dos seus poderes peculiares, puros, positivos, por meio do que são capazes de efetuar
alterações no corpo, ou seja, de desarranjarem o organismo sadio, e – onde podem curá-lo – de modificarem no sentido da saúde o organismo
que fora perturbado pela doença!” Foi isso o que eu pensei.
Eu levei minhas reflexões mais adiante. “Como ainda poderiam os medicamentos realizar o que eles fazem nas doenças senão através
desse poder deles em alterarem o corpo saudável?” – o que é mais certamente diferente em cada substância mineral diferente, e destarte
apresenta em cada uma delas, uma série diferente de fenômenos, acidentes, e sensações.9 Certamente, desse jeito apenas eles conseguem
curar.
Mas se as substâncias medicinais efetuam o que fazem em doenças, somente por meio do peculiar poder de cada uma delas em
alterarem o corpo sadio, segue-se daí que o medicamento, entre cujos sintomas aqueles característicos de um certo caso têm o poder de curar
aquela doença; e de modo semelhante, aquele estado mórbido que um determinado agente medicinal é capaz de curar, deve corresponder aos
sintomas que essa substância medicinal é capaz de produzir no corpo humano saudável! Numa palavra, os medicamentos só devem ter o
poder de curar doenças semelhantes àquelas que eles produzem no corpo são, e apenas manifestam tais ações mórbidas porque são capazes
de curar em doenças!
“Se não estiver enganado” – eu pensei ainda – “tal é realmente o caso; do contrário, como foi que aquelas violentas febres terçãs e
quartãs, que eu curei completamente há quatro ou cinco semanas atrás sem saber como a cura se fez, através de umas poucas gotas da tintura
8 N. T. Bras.: Essa passagem sobre a escolha de Hércules representa uma alegoria grega da virtude e do vício. A decisão dele pelo caminho da virtude, em detrimento daqueke
do vício, representa a vereda real para o Homem grego (e porque não dizer do Homem atual), ou seja, da virtude como condição sine qua non para a felicidade.
9 Cada um dos muitos milhares de gêneros de plantas deve possuir uma ação medicinal diferente; em verdade, mesmo as várias espécies devem diferir umas das outras nesse
sentido, pois suas diferenças permanentes de aparência anunciam-nas como coisas diferentes em tipo. Aqui, então, nós temos plenitude e abundância, aqui nós temos um
estoque divinamente rico de poderes curativos! Console-se, humanidade enferma! O que ainda se faz necessário para o seu bem-estar é a presença de homens livres sagazes, que
têm a força para emanciparem-se das fortes correntes de escravos dos antigos preconceitos e das teorias.
da cinchona, poderiam apresentar quase exatamente o mesmo conjunto de sintomas que eu observei em mim mesmo ontem e hoje, após
ingerir aos poucos, enquanto em perfeita saúde, quatro dracmas de bom córtex da cinchona, a título de experiência?”
Eu agora comecei a fazer uma coleção dos fenômenos mórbidos que diferentes observadores haviam de tempos em tempos percebido
como produzidos por medicamentos introduzidos nos estômagos de indivíduos hígidos, e quais eles tinham casualmente registrado em suas
obras. Mas como o número desses não foi grande, eu me imponho a trabalhar de maneira diligente para testar várias substâncias medicinais
no corpo saudável,10 e vejo que os sintomas cuidadosamente observados que eles produziam correspondiam maravilhosamente aos sintomas
dos estados mórbidos que eles podiam curar fácil e permanentemente.
Agora, para mim foi impossível deixar de considerar como incontestável a máxima que doença não devia ser tornada num objeto de
especulação ontológica e fantasiosa como se sua cura fosse um eterno enigma, mas que era apenas necessário que toda doença pudesse se
apresentar ao praticante como uma série ou um grupo de sintomas particulares, a fim de capacitá-lo a extinguí-la e curá-la de forma infalível
através de uma substância medicinal, capaz de produzir por si mesma os mesmos sintomas mórbidos no corpo hígido (contanto que o
paciente sempre evite toda causa externa determinável dessa doença, a fim de que a cura possa ser permanente).
E percebi que essa visão de doenças – considerando-as sempre de acordo com a soma de todos os sintomas presentes em cada caso
individual – era a única certa, e a única disponível para o tratamento curativo, e que as formas de doença descritas em nossos trabalhos
patológicos (aquelas imagens artísticas feitas de fragmentos de doenças dessemelhantes) seriam no futuro incapazes de nos ocultar os reais
aspectos da enfermidade como a natureza no-la apresenta junto ao leito do enfermo – que as doutrinas terapêuticas dos numerosos sistemas,
abundando como fazem em indicações curativas imaginárias e modos arbitrários de tratamento, não poderiam daí em diante desencaminhar o
praticante consciencioso, e que nenhuma especulação metafísica e escolástica a respeito da primeira causa oculta das doenças (aquela
brincadeira favorita do racionalismo) que nunca pode ser determinada pela razão mortal, tornaria doravante necessário inventar qualquer
modo quimérico de tratamento.
Eu percebi que o único caminho para trazer de volta a saúde, sem qualquer mistura de invenções humanas, sem qualquer ostentação
douta, fora descoberto.
Mas ainda não havia sido palmilhado! Eu tive que palmilhá-lo sozinho, dependendo das minhas próprias forças, dos meus próprios
recursos; assim o fiz confiante e com sucesso.
“Tome os medicamentos segundo os sintomas que a observação cuidadosa e repetida tenha mostrado que eles produzem no corpo
saudável, e os administre em todos os casos de doença que apresentem um grupo de sintomas abrangidos no rol de sintomas que o
medicamento a ser empregado é capaz de produzir no corpo são; assim você curará a doença de modo seguro e fácil. Ou, em outras palavras,
descubra qual medicamento contém de maneira mais perfeita, entre os sintomas normalmente produzidos por ele no corpo saudável, a soma
dos sintomas da doença diante de você; e esse medicamento realizará uma cura certa, permanente e fácil.
Essa lei, ditada-me pela própria natureza, tenho agora seguido há anos, sem alguma vez ter tido ocasião de recorrer a qualquer um dos
métodos comuns da prática médica. Durante doze anos eu tenho usado nenhuns purgativos para bile ou muco, nenhumas bebidas que
resfriam, nenhuns dos assim-chamados solventes ou desobstrutivos, nenhuns antiespasmódicos gerais, sedativos, ou narcóticos, nenhuns
estimulantes ou tônicos gerais, nenhuns diuréticos ou diaforéticos gerais, nenhuns rubefacientes ou vesicatórios, nenhumas sanguessugas ou
ventosas, nenhuns sedenhos, na realidade, nenhumas das aplicações prescritas pelas terapêuticas gerais de qualquer sistema que seja, para
cumprir as indicações de cura que eles mesmos inventaram. Eu cliniquei somente de acordo com a lei da natureza acima, e em nenhum
momento me desviei dela.
E com qual resultado? Tanto quanto se pode esperar; a satisfação que tenho com esse modo de tratamento eu não trocaria por
nenhum dos bens terrenos mais cobiçados.
No decorrer dessas investigações e observações, que ocuparam muitos anos, fiz a nova e importante descoberta: que os medicamentos
ao atuarem no corpo sadio, exibem dois modos de ação e duas séries de sintomas inteiramente opostos entre si, o primeiro imediatamente ou
logo depois da ingestão deles (ou pouco tempo após o contato com a fibra viva sensível de qualquer parte do corpo), e o segundo, o oposto
exato, logo depois do desaparecimento do primeiro; que além disso, quando os medicamentos correspondem ao caso de doença em relação
àqueles primeiros sintomas (medicinais), primários, ou, em outras palavras, quando a maioria dos sintomas da doença que temos de combater
deve constar entre aqueles que o medicamento selecionado tende a desenvolver nas primeiras horas da sua ação no indivíduo hígido (de tal
maneira que os sintomas da doença e os sintomas primários do medicamento possam apresentar a maior semelhança possível entre si), então,
e somente então, resultará uma cura permanente; a irritação morbífica presente sendo, por assim dizer, vencida, deslocada e extinta por outra
irritação muito similar – produzida pelo medicamento – num tempo extremamente, incrivelmente curto. A isso eu chamei de método de
tratamento curativo (radical) (o qual produz saúde permanente, de modo mais certo, e sem quaisquer padecimentos posteriores).
Por outro lado eu percebi – o que era agora fácil de ser previsto – que ao adotar um método oposto, quer dizer, se (segundo o método
ordinário de procedimento, contraria contrariis curantur) a ação primária do medicamento que nós utilizarmos for exatamente o oposto dos
sintomas da doença (por exemplo, se damos ópio para a habitual sonolência ou para a diarréia crônica, o vinho para a debilidade, ou os
purgantes para obstipação crônica), apenas um alívio paliativo, somente uma melhora por umas poucas horas será o resultado, pois, após
10 Os resultados que eu coletei há quatro anos serão encontrados no meu livro: Fragmenta de viribus medicamentorum positivis sine in sano corpore humano observatis
[Fragmentos acerca das forças positivas dos medicamentos observadas no corpo humano são]. Leipzig, apud Barth, 1805.
essas poucas horas terem se escoado, o período para o segundo estágio da ação medicamentosa surge, o qual é contrário à primeira ação e
análogo ao estado mórbido que ele deve curar – conseqüentemente, ele provoca um acréscimo à doença e uma agravação dela.
Na prática ordinária, sempre que sintomas são atacados com medicamentos,11 isso é sempre feito, segundo os princípios da arte agora
estabelecidos, apenas dessa maneira paliativa. A arte médica como até aqui praticada desconhece o tratamento curativo indicado acima.
Porém, essa minha descoberta é tão importante que se fosse conhecida e colocada em prática, a experiência ensinaria a cada um que é
somente pelo emprego curativo de medicamentos (similia similibus) que uma cura permanente – isso é especialmente observável no caso de
doenças crônicas – pode ser obtida pelas menores doses num curto espaço de tempo; ao passo que o método paliativo comum, de acordo com
o qual todo médico sem exceção sobre a face da terra está acostumado a combater sintomas (se algum contraria qualquer que seja puder ser
encontrado), só consegue aliviá-los por umas poucas horas, e deve permitir que a enfermidade, após o término dessas poucas horas, brote de
forma mais exuberante que antes, a menos que o médico – como não infreqüentemente é o caso – prolongue a brincadeira por uns poucos
dias dando doses amiúde repetidas e sempre mais fortes. Mas depois, por outro lado, com tais grandes doses do medicamento – não curativo
e não homeopaticamente adaptado – e pela ação secundária dessas grandes doses, ele cria novos estados mórbidos, os quais são amiúde mais
difíceis de curar do que a enfermidade original, e que a miúdo o bastante termina em morte.
Deve ficar evidente para todos, sem outra demonstração de minha parte, que é impossível esse danoso sistema paliativo de tratamento
poder servir no caso de doenças crônicas, ou restabelecer a saúde pura àqueles que sofrem delas; e isso é o que a experiência também nos
ensina, a saber, que por nenhum sistema de tratamento até aqui seguido, as enfermidades crônicas poderiam ser removidas em curto tempo e
a saúde ser restaurada; embora ocasionalmente, após um longo período de tempo, um evento feliz como esse pudesse ser originado, e a saúde
restabelecida pelos esforços espontâneos da natureza, por um remédio ajustado de maneira curativa acidentalmente prescrito em meio a um
outro, por algum banho de água mineral também acidentalmente indicada para o caso, ou por outras circunstâncias fortuitas.
Além de amiúde infligir injúria irreparável na saúde da criatura humana, o sistema paliativo gasta uma quantidade incrível de drogas
caras, porque elas devem ser dadas em quantidades grandes, freqüentemente monstruosas, aos pacientes, a fim de realizar alguns bons
resultados, embora senão aparentes. Assim, nós vemos Jones, de Londres, requerer trezentas libras de casca da cinchona ao ano, e outros
médicos usando várias libras de ópio no prazo de um ano.
Exatamente o contrário é o caso com o médico que trata segundo o método curativo. Enquanto ele só necessita da menor, porém
análoga, irritação medicamentosa, com o fito de extinguir rapidamente uma irritação mórbida análoga, suas necessidades no tocante às boas
drogas (inclusive aquelas que não são constantemente usadas) são tão pequenas que eu hesito em fazer mesmo uma estimativa provável
delas, a fim de não açular a incredulidade; tão pequena que o bloqueio da Europa pode ser mantido durante um longo prazo chegando a ponto
dele ficar preocupado.
Ao seguir esse método de tratamento que difere de todos os outros, o qual é na realidade quase o oposto exato deles em todos os
sentidos, o médico curativo radicalmente cura com surpreendente certeza, e num espaço de tempo incrivelmente curto, mesmo doenças
crônicas de datas as mais antigas, contanto que entre os remédios com os quais está intimamente familiarizado12 exista um apropriado.
Se a principal, a única missão do médico for, como acredito que seja, a cura das doenças, o livramento de nossos irmãos de
humanidade daquelas inumeráveis torturas que perturbam o gozo tranqüilo da vida, que a miúdo torna a existência insuportável, ou a expõe a
perigos, e que inclusive obstrui as funções da mente, como pode ele, se um coração sensível ainda bate dentro dele, ou se no seu peito ainda
lampeja uma fagulha daquele fogo sagrado que aquece e incita o verdadeiro Homem à aspirações em prol do bem da humanidade – como
pode ele hesitar, por um momento, em escolher esse melhor método, esse método muito mais eficaz de tratamento, e em pisotear os enganos
de todas as escolas médicas anteriores, mesmo que elas pudessem ter três mil anos de existência? Elas nunca, todavia, nos ensinaram como
curar o nosso próximo13 de maneira que satisfizesse nossa consciência, mas apenas como nós podemos apresentar às pessoas uma aparência
de sabedoria douta e de profundo discernimento. Ao tacanho apenas os enganos e os preconceitos prejudiciais são sagrados e invioláveis pela
circunstância deles terem sido uma vez estabelecidos no mundo – porque eles crescem por sobre o musgo da Antigüidade; o Homem
verdadeiramente sábio, ao contrário, alegremente esmaga o engano e o preconceito debaixo de seu passo poderoso, a fim de limpar o chão
para o altar da eterna verdade, que não carece da ferrugem da antigüidade para servir como garantia de sua genuinidade, nem do charme da
novidade ou da moda, nem de qualquer sistema volumoso, verboso para torná-la compreensível para nós, nem da sanção de autoridades que
impõem, mas que, eloqüente com a voz de Deus, fala alto, em tons para jamais ser esquecida, ao mais íntimo do coração de todo Homem
imparcial.
Era necessário que alguém pudesse por fim marcar o caminho, e isso eu fiz.
11 Pois em adição ao sistema de aliviar sintomas, há na prática comum muitos outros, se possíveis, ainda mais arbitrários, e ainda mais inadequados modos de tratamento.
12 De medicamentos cuja ação foi determinada de modo acurado eu agora possuo quase trinta, e daqueles que são bastante conhecidos, por volta do mesmo número, sem
computar aqueles com os quais não estou inteiramente familiarizado. Para mim, totalmente sem ajuda, seria impossível compensar tudo aquilo que foi negligenciado por meus
antepassados, em minha curta vida, embora jamais permiti que mesmo os prazeres usuais da existência interfirissem com o meu trabalho. Eu, antes disso, teria comunicado ao
mundo o grande número de medicamentos cujas propriedades tenho investigado desde 1804, e publicado o conteúdo na Alemanha, não fosse o fato do editor do Fragmenta ter
me implorado para protelar tal iniciativa por conta da condição ruim da época.
13 O pouco que possui um caráter positivo e que pode ser encontrado entre a enorme massa de escritos médicos, consiste no modo de cura acidentalmente descoberto de duas ou
três doenças que sempre surgem por miasmas idênticos; estas são: a febre intermitente outonal dos pântanos, a lues venérea, e a sarna dos trabalhadores de lã; a essas se deve
acrescentar aquela descoberta bastante feliz, a proteção contra a varíola através da vacinação. E essas duas ou três curas acontecem somente de acordo com meu princípio
similia similibus. Nada mais que tenha um caráter positivo pode ser exibido em toda a arte médica desde a época de Hipócrates; a cura de todas as outras doenças continua
desconhecida.
O caminho agora está aberto. Qualquer médico atento, zeloso e consciencioso pode livremente enveredá-lo.
E daí se esse caminho, que sozinho conduz com certeza e segurança à meta da saúde, e o qual eu, deixando de lado todo preconceito,
descobri através de uma calma observação da natureza, diretamente se opõe a todos os dogmas de nossas escolas médicas, exatamente como
as teses que Lutero de outrora corajosamente pendurou na porta da igreja do castelo de Wittenberg14 eram contrárias à hierarquia
escravizadora da mente – a falha não está nem em Lutero nem em mim. Nem ele nem eu merecemos o veneno dos preconceitos.
“Refutem”, grito aos meus contemporâneos, “refutem essas verdades se puderem, apontando um modo de tratamento ainda mais
eficaz, seguro e agradável, do que o meu – e não o combatam com meras palavras, das quais já temos em demasia.
“Mas se a experiência puder lhes mostrar, como o fez comigo, que o meu é o melhor, então façam uso dele em benefício, para a
libertação, da humanidade, e entreguem a Deus a glória!”
Porém você, meu queridíssimo amigo! Dotado do suave espírito de um Melancthon,15 que de bom grado gostaria de unir todos os
partidos contrários, tolere-me, uma vez que a ilusão não se amalgamará com a verdade, tolere aquele que procura a verdade de mente pura,
quem é inflexível em suas convicções, incorruptível pelas falsas doutrinas e ilusões de sistemas, muito embora você possa não se aventurar a
dar uma olhadela corajosa na aurora que desponta, que deve inevitavelmente anunciar o dia há muito almejado.

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